quinta-feira, 18 de março de 2004

Egoísmo e Comunicação


Acho que somos todos mais frágeis do que gostaríamos, estamos todos ainda a lutar para evoluir, e quando alguém não corresponde às nossas expectativas a culpa não é dela/dele. A aceitação de que ninguém é perfeito e de que o egoísmo e o medo fazem parte da vida ajuda-nos a aceitar as pessoas como elas são, e a ama-las apesar de tudo.

Se eu espero determinada reacção de alguém que não a tem (seja por egoísmo ou qualquer outra coisa) o problema é meu. EU é que construi expectativas. Por que é que alguém egoísta atinge-me tanto? Por que é tão importante para mim que as pessoas se preocupem com os outros, que saibam doar-se? No que é que isso me toca, incomoda-me? [Léa Waider]


Esta é uma das reflexões que mais me atinge, acho que encerra em si mesma uma tão profunda auto-reflexão que me chega a chocar. É daquelas que custa mesmo a fazer. Daquelas que, pondo em prática os seus ensinamentos, grande parte dos nossos problemas interrelacionais ficariam reslvidos mas a preço de um grande esforço que poucos estão dispostos a fazer a tempo inteiro. Penso que nos negamos ao nosso próprio engoísmo como se fosse algum profunda e exlusivamente errado sentir! Ter acções egoístas é uma coisa mas sentir é outra. Pessoalmente tenho tentado perspectivar o egoísmo como parte integrante da minha maneira de ser, é preciso é saber utilizá-lo para o transformar em acções com consequências positivas.

Muita da nossa comunicação "perde-se" por causa desse mesmo egoísmo (mal interpretado). Optamos por ouvir apenas o que queremos ouvir e interpretar da forma como nos convém no momento. Muitas vezes, enganamo-nos a nós mesmos e queremos, à força bruta, acreditar que o outro disse "isto e aquilo" quando "isto e aquilo" não foi sequer aquilo que ouvimos mas aquilo que pensamos que ouvimos! Depois ainda nos damos ao luxo de especular (com base na nossa interpretação errada!) sobre a intenção do outro.
Nota: Atenção! Ler com calma porque não sei se consigo explicar-me melhor.

O processo é deveras complexo:
O emissor pensa em algo [nós nunca pensamos em frases mas em ideias, logo há que traduzir da ideia para a frase], A;
O emissor transmite a mensagem [misturando os seus sentimentos e mais uma data de coisas que lhe passam na cabeça, mesmo sem consciência disso], B;
A mensagem circula num canal que tem ruído [umas vezes mais, outras vezes menos], B';
O receptor recebe a mensagem [o que realmente lhe chega aos sentidos], B'';
O receptor interpreta a mensagem [misturando os seus sentimentos e mais uma data de coisas que lhe passam na cabeça, mesmo sem consciência disso], C;

Entre A e C, há todo um processo onde é muito complicado eliminar o erro. Não é por acaso que opto por dizer B e não A', porque é neste passo (à semelhança de B'' para C) que a grande fatia da propagação do erro na mensagem é feita.
Agora imaginem o que se passa num diálogo, a quantidade de vezes que inúmeros processos destes se interligam criando mensagens tão complexas e tão impregnadas de uma probabilidade de erro que até me admiro como é que o ser humano consegue, efectivamente e alguma vez, comunicar!

Isto tudo, em si mesmo, não é errado mas também não é certo, simplesmente é! O errado ou certo entra depois: no raciocínio que é feito pelo receptor face à mensagem que, segundo nossa visão egoísta (num sentido nada positivo), partimos do pressuposto que conseguimos compreender exactamente o que o nosso emissor queria, efectivamente, dizer. E mais: às vezes temos a lata de ir mais longe, de achar que até sabemos o que o nosso emissor queria dizer mas não disse. Temos a lata de dizer saber o que outro estava a pensar, a verdadeira intenção da sua mensagem.

Temos de deixar de fazer isto? Não!
Eu acho que isto, é como o egoísmo, faz parte de nós e dos outros e não temos de o deixar de fazer, mas sim admitir que, fazendo parte do próprio acto de comunicar, o erro é omnipresente e, logo, temos de aferir a sua probabilidade. Como se calcula isso? Não sei! Mas faço uma sugestão para, em vez de o aferir, garantir a dimunição da sua propagação, da sua presença: Feedback!

Se achavam que eu iría dizer para não falarem tanto, é exactamente o contrário, falar mais ainda mas, conscientes da presença do erro, temos antes de provocar e dar feedback, devolver, em última análise, o nosso C ao emisso para que ele o compare com o seu A. Não digo "eliminar" o erro, porque é impossível, mas tentar multiplicar o processo com sistemas de confirmação e reconfirmação da mensagem recebida para depois, e só depois, partir para a interpretação.
em Toda a Mafalda de Quino.


E mesmo a frase mais directa está sujeita às interpretações mais absurdas.