terça-feira, 7 de dezembro de 2004

1976 - a propósito de tudo isto, olhe que não, olhe que não...

Ontem vi na RTP Memória o mais famoso debate político de todos os tempos, Cunhal vs. Soares, siderou-me!

Os mediadores fumam entre perguntas e respostas, o Joaquim Letria é um rapaz, o programa faz o seu intervalo para que se possa mudar de bobine, já que é gravado e as limitações técnicas o exigem, cada um fala livremente e o debate dura horas sem fim, sem compromissos posteriores de telenovelas ou publicidade, numa luta fascinante de ideias políticas e intelecto. O compromisso é o esclarecimento do povo e este é mesmo o nome do debate! Fala-se de direita reaccionária, de ordem democrática, de movimento das forças armadas, de regime revolucionário, de liberdades e garatias, fala-se de progressistas e reaccionários, fala-se de vanguarda e conspiração, diz-se que o Sá Carneiro come criancinhas, diz-se que se se é progressista é-se comunista e se não se é comunista, é-se reaccionário, diz-se talvez não, sô tôr, talvez não...

-Se não me deixa falar, a liberdade e os métodos democráticos ficam aqui um bocado em crise!
-Fale, fale, que até gosto muito de o ouvir!
-Devem ser saneados homens que conspirem contra a democracia!
-O Dr. Cunhal tem o hábito de classificar as pessoas.
-Há sabotagem à democracia sim, e vem da direita e estou disposto a lutar contra ela mas também há sabotagens ao governo a partir dos comunistas!
-Pessoas foram espancadas para se fazer passar decretos no Ministério do Trabalho!
-Não diga isso, sô tôr...
-Nós o que queremos é que as terras não voltem para as mãos dos agrários, dos Champallimaud, dos Mello e desses que se diz que já não existem. A terra é dos trabalhadores!
-O povo sabe que eu não minto e o povo tem formas de saber e decidir quem são os progressistas e os reaccionários.
-A terra, a imprensa, a industria é dos trabalhadores, é do povo!

Nesta altura, em 1976, o povo, o velhote da aldeia recôndita, sabia o que era a reforma agrária, compreendia-a, compreendia o que lhe diziam os políticos, o que se passava ao seu redor, qual era o melhor dos caminhos propostos, mesmo que mais tarde se tenha revelado menos do que se esperava... O povo tomava o poder em forma de democracia responsável, consciente, actuante! A democracia e o acto eleitoral pululavam de vida e de vigor nas mãos do povo! Hoje o mesmo povo parece uma virtualidade democrática, um espectro alienado de opinião, despojado do poder, resignado ao sensacionalismo do entretenimento, sem alma, sem intenção, sem fome de esclarecimento. O povo só grita "Isto é um Timor autêntico, isto é um massacre!" nas suas manifestações televisivas de Canas de Senhorim a conselho. O povo não elege, o povo delega o que não quer fazer nem saber, o povo não sabe, o povo não quer saber! Será que a Democracia e o voto em 1976 valiam mais do que hoje, 2004? Hoje pensar e discutir política é inóquo, o voto é um acto fantoche? Não me parece...
Ontem impressionou-me a força de um debate de ideias; hoje são assinados acordos de 20 páginas para determinar como decorrerá o debate, são interrompidas as ideias para intervalos de compromissos publicitários, tudo soa a demagogia, não se acredita em ninguém e eu penso que mudámos todos, não se exige a verdade nem ao povo nem à classe política. E confirmo veementemente o que sempre senti, deve ter sido um tempo fantástico e perigoso este dos governos provisórios, um tempo de conspirações, de abusos, um tempo de ideias e de revolução, onde o melhor e o pior de todos se revela na sua forma mais livre e eu queria muito ter estado lá!

quarta-feira, 1 de dezembro de 2004

A outra face da reacção

Sem dúvida que é muito confortável não reagir.
É contra esse conforto que eu luto e por isso gostei tanto das palavras do Daniel Sampaio. Abanar os corpos moles sentados em sofás e a engolir tudo o que a televisão e as play stations lhes dão. Não proponho outra solução porque creio que a única solução possível é devolver às pessoas o interesse pelo futuro do seu país.

Mas creio que ainda mais confortável é reagir à reacção. E para estar de moda, porque parece que está de moda estar de moda, estar em desacordo não fundamentado com certos ideais a que seguramente chamam "revolucionários de gaveta".
Pois eu não considero que seja necessário sair à rua e gritar as frases de moda (muito menos que a democracia está em perigo, porque para mim isso seria uma felicidade já que não acredito nela!) nem pintar cartazes. Ainda que me alegraria ver o povo português unido por uma causa diferente da do futebol...
Considero que faz falta educar. As palavras do Daniel Sampaio e de muitos outros, desde há já algum tempo, ensinam o que é e o que poderia ser. A decisão de quem as lê, não é mais do que isso: a sua própria decisão.

Mas tenho que confessar que me dói profundamente ver pessoas inteligentes e lutadoras , pessoas que conseguiram (por seus méritos mas também porque lhes foi dada a oportunidade de fazer valer esses méritos) atingir um nível social e intelectual muito superior à média, a perder o seu tempo a reagir contra a reacção. A gastar a sua energia em criticar aqueles, que estando tão perdidos como todos os demais, tentam buscar um caminho de escape. E dizem-lhes: "Ó meu parvo olha que por aí não há caminho". E dizem-no muitas vezes sabendo de antemão qual é o melhor caminho, mas continuam sentados na sua confortável pedra a ver como se aproxima a tormenta. E então, quando se encontram totalmente encurralados, começam a atirar pedras à tormenta e a fugir aos tropeções.

Até pode ser que o caminho não exista, mas eu prefiro ser engolida pela tormenta com a satisfação de ter tentado. A minha tentativa não foi a mais inteligente, ou a mais eficaz? É bem possível que não. Mas foi uma tentativa.

A essas mentes brilhantes que descortinam as soluções sem ter que sair do seu confortável sofá, o único que eu peço é que partilhem as suas ideias, que ensinem aqueles que não tiveram a sorte de nascer com esse dom.
Mas que por favor, não atirem pedras para dentro das próprias trincheiras.

Não foram preciso greves gerais para que se convocassem eleições, mas se elas tivessem existido, é possível que que nunca tivesse havido nenhuma crise nos meios de comunicação social, ou que não houvesse um mau funcionamento do programa de colocação de professores, ou que os 6000 contratos para investigadores não tivessem sido afinal convertidos em 6000 bolsas.

Não vai ser preciso ir votar em Fevereiro (para quê sair do sofá?, eu até nem confio em nenhum partido) mas os que o fizerem, por muito poucos que sejam, darão a sua opinião que será delegada nos seus representantes. E se eles lhes falharem , porque somos humanos!, terão todo o direito em pedir-lhes contas. Se o voto for em branco, terão dito claramente que nenhum partido apresentado lhes transmite a confiança de delegar nele as suas opiniões. Os que não tiverem votado, estarão apenas a atirar pedras à tormenta.