sábado, 23 de julho de 2005

Carta a Meus Filhos sobre os Fuzilamentos de Goya

(por Jorge de Sena)

Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível, ainda quando
lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer uma delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim, amaram o seu
semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente à secular justiça,
para que os liquidasse com suma piedade e sem efusão de sangue.
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anónimamente quanto haviam vivido,
ou as suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de uma classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos,
apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez
alguém está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum juízo final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam "amanhã".
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é só nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.

sexta-feira, 22 de julho de 2005

Gestão da(s) expectativa(s)

Estamos reduzidos à gestão da(s) expectativa(s).

O que se espera de nós é que sejamos absolutamente nada para nos poderem acusar disso mesmo e, assim, não termos correspondido com as expectativas.

Paradoxal? sim, mas ainda fica pior!.

Estamos reduzidos à gestão da(s) expectativa(s) e nem nisso somos bons: escolhemos as piores expectativas para gerir e gerimo-las mal.

Esperam que sejamos isto e aquilo sem nunca nos darem condições para o ser e, portanto, poderem dizer que não merecemos as ditas condições porque, na verdade, não cumprimos com as expectativas. Colocando a irritante cereja do: "pois, já sabia que não chegavas lá!".

Se já sabem, então porque dizem que tinha "expectativas"! Quando o que tinham é expectativas de não atingirmos os objectivos, de sermos nada.

A conclusão não é simples e é-o ao mesmo tempo. É que afinal, nós cumprimos com as expectativas de ser nada porque são essas as condições que criaram para nós.
No entanto, só o é, porque nós optámos por gerir essas expectativas: as piores. Portanto, aí sim, estamos dependentes das condições que os outros criam para nós. E se não fosse assim? Como seria?

Aqueles que criam as suas próprias condições garantem o seu sucesso e são vistos como loucos ou privilegiados ou ambos! E acabam por ganhar um estatuto (seja qual for o lado para o qual tenda a perspectiva anterior) que os coloca fora de alcance ao comum dos mortais: ou por não querer ou por não poder (ser louco e ser privilegiado, respectivamente).

Em suma, é tudo uma fantochada, uns cumprem com as expectativas dos outros que, por usa vez, os acusam de nunca o terem feito: "ah e tal, eu quando tinha a tua idade também n tinha recursos e safei-me na mesma!"
Os outros queixam-se que não lhes dão as condições: "ah e tal, eu não tenho como é querem que faça? Não me digam que estão à espera que seja eu!"

Nota: Produto da pressão ao comentário, este texto evoluiu para o contra-senso cujo sumário é impossível na medida em que o autor se perdeu nele mesmo chegando aos >1000 caracteres: o limite castrador dos comentários não sucintos, logo, n produtivos enquanto (simples) comentário.

MENTAL OBESITY

(Por Prof. João César das Neves |Fonte: Diário de Noticias em 22/03/2004 (Portugal))

O prof. Andrew Oitke publicou o seu polémico livro «Mental Obesity», que revolucionou os campos da educação, jornalismo e relações sociais em geral. Nessa obra, o catedrático de Antropologia em Harvard introduziu o conceito em epígrafe para descrever o que considerava o pior problema da sociedade moderna.

«Há apenas algumas décadas, a Humanidade tomou consciência dos perigos do excesso de gordura física por uma alimentação desregrada. Está na altura de se notar que os nossos abusos no campo da informação e conhecimento estão a criar problemas tão ou mais sérios que esses.»

Segundo o autor, «a nossa sociedade está mais atafulhada de preconceitos que de proteínas, mais intoxicada de lugares-comuns que de hidratos de carbono. As pessoas viciaram-se em estereótipos, juízos apressados, pensamentos tacanhos, condenações precipitadas. Todos têm opinião sobre tudo, mas não conhecem nada. Os cozinheiros desta magna "fast food" intelectual são os jornalistas e comentadores, os editores da informação e filósofos, os romancistas e realizadores de cinema. Os telejornais e telenovelas são os hamburgers do espírito, as revistas e romances são os donuts da imaginação.»

O problema central está na família e na escola.

«Qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se comerem apenas doces e chocolate. Não se entende, então, como é que tantos educadores aceitam que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, videojogos e telenovelas. Com uma alimentação intelectual» tão carregada de adrenalina, romance, violência e emoção, é normal que esses jovens nunca consigam depois uma vida saudável e equilibrada.»

Um dos capítulos mais polémicos e contundentes da obra, intitulado "Os Abutres", afirma: «O jornalista alimenta-se hoje quase exclusivamente de cadáveres de reputações, de detritos de escândalos, de restos mortais das realizações humanas. A imprensa deixou há muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular.»
O texto descreve como os repórteres se desinteressam da realidade fervilhante, para se centrarem apenas no lado polémico e chocante. «Só a parte morta e apodrecida da realidade é que chega aos jornais.»

Outros casos referidos criaram uma celeuma que perdura.

«O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades. Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy. Todos dizem que a Capela Sistina tem tecto, mas ninguém suspeita paraque é que ela serve. Todos acham que Saddam é mau e Mandella é bom, mas nem desconfiam porquê. Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um cateto.»

As conclusões do tratado, já clássico, são arrasadoras.

«Não admira que, no meio da prosperidade e abundância, as grandes realizações do espírito humano estejam em decadência. A família é contestada, a tradição esquecida, (...) a cultura banalizou-se, o folclore entrou em queda, a arte é fútil, paradoxal ou doentia. Floresce a pornografia, o cabotinismo, a imitação, a sensaboria, o egoísmo. Não se trata de uma decadência, uma «idade das trevas» ou o fim da civilização, como tantos apregoam. É só uma questão de obesidade.
O homem moderno está adiposo no raciocínio, gostos e sentimentos.
O mundo não precisa de reformas, desenvolvimento, progressos. Precisa sobretudo de dieta mental.»

quarta-feira, 6 de julho de 2005

100 senso comum

Uma desgraça nunca vem só.
Coitada, já não basta ser desgraça ainda tinha de andar sozinha!

Tudo o que vem à rede é peixe.
Excepto tudo o resto.

Quem tem boca vai a Roma.
E quem não tem carro vai a pé.

Quem tarda não erra.
Quem tarda não chega sequer a tentar.

Esperança é a última a morrer
Mas morre!

segunda-feira, 4 de julho de 2005

100 senso comum

De noite todos os gatos são pardos.
É uma das grandes maravilhas da natureza mas apenas comprovada em teoria já que nunca ninguém assistiu a essa magnifica metamorfose. Na verdade, eu próprio sempre que tentei, assim que acendia a luz para lhe ver a cor, o raio do gato passava a outra cor que não o pardo. A mim parece-me que se trata de um processo que é mais rápido que a própria luz ou, pelo menos, que a minha reacção entre querer ligar a luz e até a lâmpada acender.

Deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer.
Bom... se me deito cedo (cedo = a uma localização relativa no tempo) e me levanto cedo (a mesma unidade anterior) dá... corta, corta, noves fora... nada! Não durmo. Coisa que me perdoem os sabidos mas não dá saudinha nenhuma!

Entre mortos e feridos alguem há-de escapar.
Se calhar sou só eu, mas entre os mortos e feridos não escapou nenhum! Digou eu..

Há remédio para tudo menos para a morte.
Pois, ora aqui está um mal do qual todos padecemos e para o qual a ciência nunca encontrou solução. É que, de facto, nós não morremos das doenças, para essas há curas. Nós morremos de morte, nada mais. O que se passa é que o remédio das doenças mortais é ela própria: a morte. Que, por sua vez, não tem remédio.

Hora a hora, Deus melhora.
E eu na mesma, quer-se dizer-se. Farto-me de trabalhar e fico eu na mesma e esse camandro melhora! Não faz sentido nenhum e a culpa é do sistema.